20/06/08

O PIANO

A Avó tinha ouvido para a música, o miúdo também.
O piano andava por ali havia anos e anos
a Avó como todas, tinha um piano.
O instrumento fora mandado afinar
o Explicador era o mesmo de sempre.
As tardes passavam-se de tecla em tecla
e miúdo dava o que podia.
O Mozart desancava no Beethoven
a Avó e o Explicador entre olhavam-se,
O Explicador dizia Schubert.
O miúdo olhava o Schumann,
as teclas pretas eram Berlioz.
A Avó depenava o leque, o explicador dormia-lhe no regaço.
O miúdo comia as teclas brancas, as criadas serviam-lhe Deus com amoras. ( Ele comia. )
O Berlioz o Beethoven e o Schubert depenicavam o explicador
e os restos da Avó no estendal.
As criadas trouxeram o miúdo já muito branco.
Ele o Berlioz disse: Sinfonia Fantástica, Op. 9 8.47
e o Schubert disse: Allegro Moderato
por fim o Mozart: Molto Allegro Molto Allegro.

19/06/08

A EXPOSIÇÃO

Percorreu o Alentejo em busca daquele passado a preto e branco. Bateu nos montes brancos ainda habitados, calcorreou ruas desertas de sons.
Alguns dos mais velhos ainda tinham retratos do campo com searas e papoilas, bestas e carretas, feiras bailes e crianças, sorrisos, mercados e matanças.
Não que me tenham contado, mas ainda existiam nesse lugares Montes e searas, os bailes as feiras, os casamentos e as ceifas, as ceifeiras com lenços e homens vestidos preto nas suas montadas. E mulheres engalanadas.
Quando as fotografias eram a preto e branco não havia chaparros castanhos, não havia cal nas paredes. Mas havia o campo habitado as Aldeias e os Montes eram crianças. As escolas tinham mestres e tantas outras coisas.
Mas quando as fotografias eram a preto e branco, o Sol nascia mais cedo a lua não era assim. Redonda. (Dizem.)
Mas nas Aldeias e nos Montes, onde as casas eram de terra pedra e pó.
Ainda existe o mesmo do mesmo, ainda os Montes usam pingalim, ainda os pátios tocam Mozart. Ainda as buganvílias servem a groselha, ainda as criadas chamam por os meninos.
Ainda agora os homens em Junho voltam a tirar a cortiça, ainda hoje as mulheres no verão voltam a caiar os homens de preto.
Mas ainda hoje, os velhos comem a Lua aos domingos.
( Dizem.)

13/06/08

CAMIONISTAS, GATOS, PSIQUIATRAS, TERAPEUTAS DA FALA, GATOS, TAXISTAS E AS GAJAS

Nós os Padeiros das bicicletas, os Ardinas das bancas, os Agricultores de bananas, os elefantes do Jardim Zoológico e o Lince da Malcata, os Jornalistas, os Terapeutas da fala, os Psiquiatras, os doentes do coração, os Técnicos de informática, as gajas deste país, as Floristas e claro ainda, os gatos deste país.
Vimos propor ao Mário Hino o seguinte:

1º Nós os Padeiros das bicicletas exigimos: Um apoio para os pneus e os respectivos remendos. E já agora subsídio de 12% para o passe. Pois também temos que sair de casa.

2º Nós os Ardinas das bancas exigimos: Um apoio de 6% para a instalação de novas bancas e já agora, um subsídio de 5% para a gasolina. Pois também temos que sair de casa.

3º Nós agricultores de bananas exigimos: Mais um apoio para a cultura no continente. E já agora um apoio de 34% para os estudos dos filhos. Pois eles estudam.

4º Nós os elefantes do Jardim Zoológico exijamos: Um apoio de 67% tipo moedinha. Pois com a crise actual até as moedinhas na tromba nos faltam.

5º Nós os Linces da Malcata exigimos: Um apoio célere de 100%. Pois o coelho é escasso.

6º Nós os Jornalistas exigimos: Um apoio de 12% os leitores para a aquisição dos diários. Pois a situação é muito negra.

7º Nós os Terapeutas da fala exigimos: Um apoio de 23% para a aquisição de doentes. Pois já não sabem o que dizem.

8º Nós os Psiquiatras exigimos: Um apoio clínico de 100% por parte do governo.

9º Nós os doentes do coração exigimos: Um apoio de 90% para a aquisição de razão

10º Nós as Floristas exigimos: 100% mais rosas. Pois as que ainda restam estão murchas.

11º Nós os técnicos de informática exigimos: Um apoio de 10% para a aquisição de ratos.

12º Nós as gajas deste país vimos exigimos: Um desconto de 20% para os clientes habituais.

13º Nós os gatos de Portugal exigimos: Um aumento de 12% do peixe nas latas.

14º Nós os Taxistas Exigimos: Que todos os clientes tenham um desconto de 300%. Se não.....

15º Nós os Agricultores da tanga exigimos: Alem de os subsídios do leite, das galinhas, do Sol, da Lua da chuva, dos bonés mais 150% de apoio para a compra de galochas. Se não....
E nós os deputados da nação exigimos que venha o verão. E depressa.

25/05/08

CARTA ABERTA AO PRIMEIRO EX FUMADOR

Meu caro,
Como sabes, as coisas vista do céu são sempre vistas por um Santo. Lagarto! Lagarto! Lagarto!
Havia uns dias para não dizer alguns meses que a pressentia.
Creio que chegou assim de mansinho como quase todos os que não querem ser vistos. Mas mesmo assim pensei: Se ela quiser que apareça.
Mas como a malta... mal ou bem, vai sempre ouvindo uns tipos que afirmam a pés juntos que ela ainda está para chegar. Ainda por cima esses tipos falam-nos todos. Mas todos os dias, em que ela é ficção e ainda por cima em cima de palanques.
Mal ou bem decidi-me por uma conversa com o Guilherme. Esse sim, é de facto um tipo que sabe! Mas quando o meu amigo me disse que sim, que ela já andava por aqui pensei: Afinal já chegou mesmo!
Ora como eu sou um tipo que espera pelas damas de outra forma, fui logo ao supermercado comprar umas tretas. Sim, não me vá ela fazer uma aparição e um tipo não ter nada em casa.
Mesmo assim quando se olha para a Cris não é o comum dos mortais que lhe fica indiferente. É de facto uma espécie de aparição. E ainda por cima muitas vezes causa sensações de mal estar.
Mesmo assim sei receber os convidados. E lá fui ao supermercado.
Ao chegar dou de caras com Tiago que me disse logo: A Cris já chegou! Eu sei, eu sei! Realmente a Cris é de facto muito conhecida de nós todos não fosse ela ter andado afastada deste sítio.
Mas claro, ela é de todos.
Lembro-me ainda muito bem do Tiago e o Guilherme em minha casa. (já lá vão uns anos.)
A gritarem: Isto só pode ser coisas da Cris! Ò Cris! Isto é lá coisa que se faça? Claro, ela nada dizia.
Mas durante uns anos andou desaparecida, talvez por as nossas vidas terem seguido outros rumos havia anos que não a víamos. Mesmo assim parece que voltou agora, se bem que estranhamente nenhum de nós ainda a tenha visto. Mas claro que chegou, parece muito mais comprida e tem mais um E.
Ora como a Nossa Senhora de Fátima também deve estar para chegar. Só peço que chegue depressa! E que leve a Crise quando for ter com os outros três. E já agora que por lá fiquem na paz do Senhor.
P.s Não sei se sabes, mas os vícios são de facto coisas do diabo. Olha, fumar pode provocar morte lenta e dolorosa. Assim diz a tabaqueira. Mas ainda diz: Para deixar de fumar, consulte o seu assessor de imagem ou contacte o seu farmacêutico.

22/04/08

EXISTEM SITUAÇÕES MUITO MUITO COMPLEXAS

Esta coisa de sermos homens é de facto muito muito complexa. Mas vou tentar não ser muito muito complexado.
Esta coisa dos telefones, telefonemas e afins deixa-me de facto num estado muito, muito preocupado. Este problema é muito muito desconcertante anda um tipo ao telefone, e depois fica assim, neste estado critico. Basta!
Mal um tipo começa a falar fica logo neste estado. Ora isto assim, é muito muito grave um tipo como eu? Ficar assim? Neste estado? É muito muito chato.
Ontem liguei logo para os putos da TMN e disse-lhes logo: Oiçam lá ou seus cretinos! Vocês acham normal um tipo ficar neste estado quando pega no telefone? Claro desmancharam-se a rir ainda assim, voltei a insistir, mas como a situação se complicava cada vez mais telefonei a uma amiga. Por sinal muito amiga.
Eu bem tentava explicar-lhe mas de facto, a situação era grave de mais.
Tentei explicar-lhe de novo, mas ela, como é muito, muito minha amiga disse-me logo: Olha Tiago sabes uma coisa? Eu de facto sou muito, muito tua amiga mas sabes, a mim também me acontece o mesmo.
Nesse momento tirei a mão do bolso e como sou muito muito amigo da TMN pensei: Já sei! Tudo isto me acontece porque aderi a uma promoção da TMN. A Casa T.
De quem por sinal sou muito, muito amigo. Mesmo muito.

ALGUÉM HÁ-DE ESCAPAR

A genealogia tem destas coisas, entre vivos e mortos alguém há-de escapar
Manuel, Castello, Fogaça, Fontoura, Sofia, Maria, João, Pedro, Romeu, Teresa, Margarida, Jardim, Rodrigues, Isabel, Helena, José, Colen, Pereira, Alves, Portela, Almeida, Mata, Aparício, Baptista, Joana, Alice, Rafael, Monteiro, Catarina, Luísa, Carlota, Ana, Mariana, Mendes, Branco, Leitão, Andrade, Crato, Mafalda, Marta, Carlota, Sofia, Silva, Margarido, Manuel.
E ainda tem, Lagos, Lisboa, Porto, Envendos, Monchique, Aljezur, Almeida, Leiria, Cascais, Odemira, Moncarapacho, Silves, Oeiras, Monte Clérigo, Torres Novas.
E ainda, 1876, 2008, 1643, 1987, 2006, 1938, 1648, 1598, 2003, 1954, 1932, 1560, 1432, 1629.
E ainda, Mergulhadores, Artistas, Palhaços, Escritores, Condes, Viscondes, Loucos, Líricos, Naturalistas, Marqueses, Desempregados, Engenheiros, Escultores, Professores, Médicos, Generais, Coronéis, Psiquiatras, Jornalistas, Vigilantes da Natureza, Publicitários, Economistas.
E ainda, chuchas, condecorações, peluches, cinema, teatro, palcos, espadas, balões, comboios, peixes, criadas, aquários, condecorações quintas e montes, Alentejo, livros, catrapásios, jornais, revistas, barcos, artigos, quadros, livros, jardins, oceanos, árvores, cristais, impedidos, choros, gritos.
E claro loucos e tangos, muitos tangos e muitos loucos. Loucos?

29/03/08

CHARRETTE AZUL

Veio entre um século e outro mas lá acabou por chegar de charrette azul.
Trouxe criados e maletas, caixas e pós de muitas cores, lamparinas de fogo e cheiros medonhos. Mas trouxe ainda um banco sem pernas onde se sentou.
Depois, os cheiros correram de rua em rua, de beco em beco, de janela em janela e de repente todos o queriam ver. Ver as caixas, os pós, as lamparinas de fogo e as suas velhas maletas.
Rapidamente formou-se um circulo em sua volta. Eram crianças de muitas cores, homens com chapéus de palha, mulheres com narizes de raposa e velhos com orelhas de elefante. Mas quando os olhou todos se calaram. Nesse momento, chamou os cheiros medonhos que empestavam aquela terra e num ápice todos os cheiros terríveis voltaram para dentro das caixas brancas.
Aterrados os homens de chapéus de palha gritavam aos céus, as mulheres com narizes de raposas protegiam as crianças de muitas cores. Então, para espanto de todos, desmontou as ruas e as casas empacotou as janelas e também os becos. Depois, guardou a maleta, comeu o criado
e partiu na charrette Azul.