15/12/08

PERCORREU O FUNDO DO MAR DE BICICLETA

Nessa noite mergulhou numa nuvem e percorreu o fundo do mar de bicicleta.
Atravessou continentes fazendo fogo com água, foi baleia no meio de tantas, mar e onda. Atravessou os mares deixando-se ir nas correntes, viu homens no céu e cumprimentou-os. Ainda subiu e desceu rios sendo água. Hasteou velas perdidas em mastros antigos e subiu-os ajudado por milhares de marinheiros naufragados que carregavam sacos feitos de pernas de enormes polvos. Comeu peixes de ouro e outros de marfim nunca vistos, viu escravos negros que plantavam algodão onde dormiam gigantes que mais pareciam esculturas a dormir. Quanto mais a vela subia mais náufragos chegavam. Eram aos milhares com anémonas nos olhos que saiam de buracos sem fundo. Traziam ainda os destroços das naus nas cabeças com enormes algas verdes e de muitas outras cores, lapas incrustadas nas faces e braços âncoras. Ao deslocarem-se caiam dos seus corpos restos de redes onde haviam dormitado séculos.
Escalavam a vela ajudados por sonhos de comandantes astrolábios, reis mortos e impérios já desaparecidos.
Carregavam os destroços das embarcações, dos comandantes, das cartas marítimas, escravos pimenta, ouro vagas e tempestades . Um deles com cauda de baleia fez-se à ponte e gritou: Tragam o mar para a superfície. Os outros trouxeram-no.
Ainda houve quem gritasse: Não!
Então, o mar despovoado sacudiu-os para a superfície dos países desaparecidos, reis mortos e comandantes sem naus. Nesse momento o mar foi desaparecendo lentamente e de cima do mastro perceberam que estavam perdidos. Agora sim, navegavam no céu.
Os outros não, ficaram num fundo sem mar.

07/12/08

CHEGOU COM AS ONDAS DOS DESERTOS E OS BARCOS DAS FLORESTAS

Chegou com as ondas dos desertos trazendo o sal dos doces, os barcos das florestas, os peixes dos desertos e o tai-chi de outros planetas.
Vinha presa em redes de rias e trazia um homem com cara de mar. Ao abrir-lhe a porta ainda vinha com neve nos cabelos, o Sol nas mãos e um olhar de quem comeu desertos e de quem dormiu em florestas habitadas por deuses desconhecidos.
Falou de lugares nunca vistos e de sons interiores que a perseguiam em noites passadas com os deuses transparentes. E de muitas outras cores.
Abriu a caixa que disse conter os sonhos dos sonhos e contou-me:
Os sonhos são a verdade são como as florestas portanto ouve-me bem:
Quando as árvores penetram as raízes na profundezas da terra só procuram achar a Solidez,
O alimento e a tranquilidade.
Mas olha, já reparaste que as florestas são um conjunto de muitas outras coisas? Coisas como; A solidez do amor e a paz é só alimento de muitas ideias. Ideias vindas só destas coisas que existem. Um dia se caminhares dentro de uma verás que ali também existe o doce e o sal. E todas as outras coisas que te falei. Mas olha, tudo mas tudo é uno. Mesmo aqueles que fogem das florestas voltam sempre. E sabes porque? Elas estão sempre perto de nós mesmo quando as destroem elas renascem. E olha sei o que te digo.
E sabes porquê? Sou árvore. Mas não mas fiques triste eu e muitas outras florestas juntámos-nos e construimos uma nova floresta. E sabes como a construimos? É complicado mas é possível e nós conseguimos. Fomos ao fundo do fundo e redescobrimos as coisas que tantos e tantos outros já não encontram. Como a liberdade, o equilíbrio, os sonhos, a tranquilidade e o amor. E olha que nas florestas construídas por nós também moram ideias. Umas boas outras menos. Imagina o que seriam as florestas sem as árvores que as habitam . Agora que já descobriste o porquê desta floresta ser tão livre e solta.
Agora sim, vamos sorrir nesta floresta onde se dança a salsa.
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05/12/08

O GOVERNO PRIVADO PORTUGUÊS ETC....E TAL

Querido Zé,
Tendo a tia Alzira deixado em testamento 238 acções da EDP, 43 da GALP, 762 da Drogaria Avelar, 484 da PT, 208 da Moagem Montez & Filhos lda, 13 do Milleniumm, 23 da Tasca do Ti Albertino. E até são poucas, pois a tia tinha mais. Bem mais! Mas sabes como são.... as primas.
Zé! Aqui que ninguém nos houve ainda havia mais um lote escondido e olha era daqueles que me deixou a pensar, e muito. Então não é que a tia me deixou na Caixa de Crédito Agrícola de Odemira mais 345 do PS, 295 do PSD, 43 do BE e ainda umas quantas do PP.
Mas olha,
Tendo a tia investido todas as suas parcas poupanças nestes activos políticos, e tendo ela total confiança no Prior Joaquim. Por sinal é representante de outros senhores, tal como tu.
Só te peço-te uma explicação é a seguinte: Com esta confusão toda das crises, bancos,enfim.... ando muito preocupado como deves imaginar. E sabes, a tia tinha tanto gosto nestes activos e claro, gostaria que a tia lá do céu me visse como um bom sobrinho.
Ora sendo tu quem és tenta lá explicar-me estas questões:
Que farias tu agora se tivesses as acções do PS? Visto que segundo consta estão em queda acentuada. Vendias? A quem? Onde? Achas que a solução OPA com o PSD as fará subir?
Ou o melhor será deposita-las no Banco Privado Português? É que segundo consta vão voltar a pagar aqueles juros que a malta gosta.
Que achas tu? É que sabes...a partir de agora qualquer banco pode achar que o melhor mesmo é vir para Portugal. Como sabes, a malta pagar, paga! Pago eu! Mas quem melhor que tu para me ajudares nesta hora?
Outra coisa que ainda não entendi é:
Porque será que quando um banco se sente mal. Tipo, quando num dia de Sol levam-nos o dinheiro a passear até aqueles paraísos com gajas boas, ondas fantásticas, Haitianas com flores e depois a malta aqui é paga? Bem, lá que as notas depois saltam do multibanco mais felizes, lá isso é verdade! Agora, eu tenho é de pagar a as prestações da casa e o resto é conversa. Olha lá uma coisa, os bancos também vos vão pagar com juros? Ou têm crédito jovem? Será o bonificado? Pagam todos os meses? Em que dia? Têm seguro de vida? É que sabes como isto anda, não vá o diabo leva-los para outro paraísos melhores.
Olha, queiras ou não, a tia também te nomeou no testamento, e olha que eras o menino dos seus olhos e como sabes a ela já não via grande coisa, mas ainda ouve os Professores. Quanto a mim herdei também esta falta de visão da tia. Quanto a ti não sei, mas como pode ser hereditário já sabes...
Mas olha, se tiveres algum problema também oftalmológico já sabes, tens sempre o Miguel Sousa Tavares o rapaz tem sempre soluções para tudo. E claro, também é fumador como tu.
Um abraço deste teu primo.
Alberto.
P.s Não te esqueças dos avisos dos maços de tabaco.

02/12/08

PERFUME

Era um largo de aldeia onde os velhos se sentavam esperando o Sol passar e ainda comentavam os céus. Tanto aqueles que por ali passavam já deitados como os outros ainda passantes, os doentes, moribundos e zarolhos. Diariamente comentavam ainda o carteiro que descia e subia ruas e escadas que batia portas sim porta sim.

Os olhares entre eles falavam e ajuizavam mas todos concordavam que elas as suas companheiras, recebiam havia anos e anos centenas de cartas. E todos voltaram a concordar.
Como homens isso de cartas eram coisa de mulheres. Isso era lá coisa de homens? E todos voltaram a concordar que os mais intrigava de tantas e tantas cartas recebidas era o perfume dos envelopes que invadia casas ruas e jardins. Um dos mais velhos do grupo ainda arriscou:

- Anda aqui algo muito estranho.... a minha mulher anda cada vez mais destrambelhada deve ser desse tal cheiro. Mas ela não sabe ler...

E um outro ainda disse:

- Ler perfume?

E voltaram todos a olhar-se de novo mais uma vez em silêncio.

E voltaram a olhar o silêncio de novo.

Havia um carteiro que descia e subia as ruas mas cada dia mais vergado pelo sorriso. Os silêncios cada vez eram maiores de quem o via passar. Mas os olhares mais carrancudos e claro, o mais velho que mais falara deixara de o fazer.

Que recebiam as cartas, recebiam, que as mulheres andavam meio aluadas andavam, mas que não sabiam ler não sabiam. Em relação a isto estavam todos de acordo. Um deles ainda tentou arriscar e se... e todos voltaram a olhar o chão.

Ainda a manhã era noite quando um um deles decidiu abandonar a casa. Um homem ter uma companheira feliz é estranho. Estava decidido a não voltar até estar esclarecida a questão das mulheres felizes. Mesmo assim os outros voltaram a sentar-se nos silêncios. Agora cada vez maiores.

O mais velho olhou as ruas inspirou o passado e disse:

- As mulheres estão assim tão sonhadoras porque será?

E todos o ignoraram. Mas olhando-os de novo, ainda disse:

Se falássemos com o António? talvez ele nos possa ajudar, a mulher sempre é chefe dos correios.

Voltou o silêncio que só o mais arisco voltou a quebrar dizendo:
- Eu tento!
Passaram-se os dias e o banco continuava em silêncio e c Carteiro continuava carregando as cartas em envelopes perfumados. Mesmos assim no banco chegamvan-lhes os odores e sabiam quando as cartas eram para as suas casas. Passavam dias, semanas, meses e noticias do proposto pelo amigo nada. E ele ali sentado.
O mais velho do banco começou por coçar o queixo, outro a barba, os outros três tossiram em únissono e trocaram olhares. De um momento para o outro viram cair uma lágrima da face do amigo e caiam cada vez mais e mais. Eram lágrimas diferentes. Tinham cores e formas, cheiros e fumo que desciam pelo rosto. O odor dessas lágrimas lembrava-lhes os envelopes. Ainda assim, reunidos em torno daquele amigo soltaram-se os lenços, os abraços. E depois o silêncio de sempre.
Pouco depois evaporaram-se as lágrimas de cores e cheiros, e o fumo desapareceu.
Depois voltou a lacrimejar e lentamente, retirou do bolso pequenos frascos de cores diferentes enchendo-os um a um de lágrimas perfumadas.
Nesse momento começaram a sair de bolsos nunca vistos frascos e pétalas, perfumes e lenços bordados.
Eram os silêncios.