02/12/08

PERFUME

Era um largo de aldeia onde os velhos se sentavam esperando o Sol passar e ainda comentavam os céus. Tanto aqueles que por ali passavam já deitados como os outros ainda passantes, os doentes, moribundos e zarolhos. Diariamente comentavam ainda o carteiro que descia e subia ruas e escadas que batia portas sim porta sim.

Os olhares entre eles falavam e ajuizavam mas todos concordavam que elas as suas companheiras, recebiam havia anos e anos centenas de cartas. E todos voltaram a concordar.
Como homens isso de cartas eram coisa de mulheres. Isso era lá coisa de homens? E todos voltaram a concordar que os mais intrigava de tantas e tantas cartas recebidas era o perfume dos envelopes que invadia casas ruas e jardins. Um dos mais velhos do grupo ainda arriscou:

- Anda aqui algo muito estranho.... a minha mulher anda cada vez mais destrambelhada deve ser desse tal cheiro. Mas ela não sabe ler...

E um outro ainda disse:

- Ler perfume?

E voltaram todos a olhar-se de novo mais uma vez em silêncio.

E voltaram a olhar o silêncio de novo.

Havia um carteiro que descia e subia as ruas mas cada dia mais vergado pelo sorriso. Os silêncios cada vez eram maiores de quem o via passar. Mas os olhares mais carrancudos e claro, o mais velho que mais falara deixara de o fazer.

Que recebiam as cartas, recebiam, que as mulheres andavam meio aluadas andavam, mas que não sabiam ler não sabiam. Em relação a isto estavam todos de acordo. Um deles ainda tentou arriscar e se... e todos voltaram a olhar o chão.

Ainda a manhã era noite quando um um deles decidiu abandonar a casa. Um homem ter uma companheira feliz é estranho. Estava decidido a não voltar até estar esclarecida a questão das mulheres felizes. Mesmo assim os outros voltaram a sentar-se nos silêncios. Agora cada vez maiores.

O mais velho olhou as ruas inspirou o passado e disse:

- As mulheres estão assim tão sonhadoras porque será?

E todos o ignoraram. Mas olhando-os de novo, ainda disse:

Se falássemos com o António? talvez ele nos possa ajudar, a mulher sempre é chefe dos correios.

Voltou o silêncio que só o mais arisco voltou a quebrar dizendo:
- Eu tento!
Passaram-se os dias e o banco continuava em silêncio e c Carteiro continuava carregando as cartas em envelopes perfumados. Mesmos assim no banco chegamvan-lhes os odores e sabiam quando as cartas eram para as suas casas. Passavam dias, semanas, meses e noticias do proposto pelo amigo nada. E ele ali sentado.
O mais velho do banco começou por coçar o queixo, outro a barba, os outros três tossiram em únissono e trocaram olhares. De um momento para o outro viram cair uma lágrima da face do amigo e caiam cada vez mais e mais. Eram lágrimas diferentes. Tinham cores e formas, cheiros e fumo que desciam pelo rosto. O odor dessas lágrimas lembrava-lhes os envelopes. Ainda assim, reunidos em torno daquele amigo soltaram-se os lenços, os abraços. E depois o silêncio de sempre.
Pouco depois evaporaram-se as lágrimas de cores e cheiros, e o fumo desapareceu.
Depois voltou a lacrimejar e lentamente, retirou do bolso pequenos frascos de cores diferentes enchendo-os um a um de lágrimas perfumadas.
Nesse momento começaram a sair de bolsos nunca vistos frascos e pétalas, perfumes e lenços bordados.
Eram os silêncios.