12/10/08

OS HOMEMS CAIEM DO CÉU

Daquele céu caiam enormes pacotes de muitas cores e formas. Era sempre assim quando chegava a Primavera. E aqueles enormes pacotes desciam do céu . Mas fora nesse dia que os homens daquele lugar haviam partido havia anos e anos.

Ali ninguém entendia o porquê desta decisão. Mas foi numa manhã de grandes chuvas e trovoada que todos partiram. Partiram os homens deixando este sítio repleto de mulheres, crianças, rios, casas e muitas viúvas. Viúvas não daqueles que partiram, mas daqueles que ainda não voltaram.

Naquele dia de festa como sempre reuniram-se em torno daqueles pacotes caídos do céu. Juntaram-nos por cores, peso e medidas e ainda houve quem quisesse devolve-los ao céu com receio de alguma doença. Mas a decisão colectiva não foi essa.

Foi abrirem os pacotes como sempre nas suas casas. Como sempre ajudaram-se mutuamente no transporte de casa em casa e de rua em rua. Era costume serem preciosos os conteúdos vindos do céu mas estranhamente começaram a sentir-se inquietas, ansiosas, revoltadas e inseguras. Em todas as ruas e praças a sensação era a mesma.

Lentamente começaram a ouvir o ranger dos pacotes e fugiram deixando-os nas ruas, praças, campos, casas, pontes e hortas. Por toda a aldeia se ouvia aquele ranger cada vez mais aterrador. As ruas ficaram desertas, as janelas fechadas, as chaminés trancadas, as crianças caladas e o vento parou.

De rompante ouviu-se um monumental estoiro de madeira a quebrar. E as casas uniram-se mais. As ruas fugiram e deixaram as praças mais sós do que nunca. De repente, como se de um trovoar se tratasse ouviram-se passos imensos e tremendos.
Ainda ouviram vozes vindas do além, ainda houve quem visse uma perna maior que a sua casa, outras houve que disseram ser homens de grandes barbas azuis e de botas gigantes.
Foi assim que amanheceu, foi assim que voltaram as praças às ruas ainda desertas. E foi também assim que as casas se voltaram a abrir. Abriram-se ainda as janelas e saíram mulheres e crianças. Mas já ao longe se pressentia o vento.
Nas praças ainda houve quem visse os rastos das enormíssimas botas, quem tenha visto os homens de barbas e os longos cabelos. Uns diziam azuis outros de outras cores. Mas eram os homens. Ainda se disse serem aqueles que fugiram, ainda se disse serem os maridos fugidos e os pais ausentes.
Ainda assim, reuniram-se para consertar os estragos deixados por as enormes botas nas praças e ruas. Consertaram as rachas das casas, os vidros quebrados e voltaram a colocar as habitações nas suas ruas de sempre.
Ainda era manhã quando chegou o vento às ruas e praças. Mas trouxe consigo um cheiro antigo.
Era o cheiro dos maridos desaparecidos ausentes e fugidos. Era o cheiro da última madrugada.
Primeiro chegaram as grandes pernas e troncos, mais atrás as cabeças. Chegaram de fraldas e chuchas. Olharam as suas mulheres e pediram-lhes beijos. Elas deram-lhes os peitos.

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